Infecção do Trato Urinário Associada a Cateter (ITU-AC) em Unidades de Terapia Intensiva: Evidências, Desafios e Estratégias
Por Enf.° Me. Eliézer Farias de Mello
A Infecção do Trato Urinário Associada ao Cateter (ITU-AC) configura-se como uma das infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) mais prevalentes em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), acometendo principalmente pacientes com internação prolongada e múltiplos dispositivos invasivos (MAGILL et al., 2014). Clinicamente, é definida pela presença de sintomas urinários associados a urocultura positiva em pacientes com cateter vesical de demora por mais de 48 horas, representando um aumento de 10% a 15% na mortalidade hospitalar e custos adicionais de até US$ 1.000 por episódio (WHO, 2018).
O risco de ITU-AC aumenta exponencialmente com o tempo de cateterismo, estimando-se que 3% a 7% dos pacientes desenvolvam infecção a cada dia de uso (LO et al., 2014). A patogênese envolve principalmente a colonização bacteriana por via intraluminal ou periuretral, com destaque para microrganismos como Escherichia coli (40% dos casos), Klebsiella pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa (CDC, 2022). Nesse contexto, estratégias como cateterização apenas quando estritamente necessária e remoção precoce são fundamentais para redução de riscos.
Estudos demonstram que a implementação de bundles de prevenção pode reduzir as taxas de ITU-AC em até 50% (SAINT et al., 2016). O protocolo preconizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA, 2022) inclui:
- Inserção asséptica com técnica estéril;
- Sistema fechado de drenagem;
- Higiene perineal diária com clorexidina 0,1%;
- Reavaliação diária da necessidade do cateter.
A cultura de segurança do paciente e a vigilância ativa são determinantes para o sucesso dessas intervenções. Unidades que adotam auditorias semanais e feedback imediato à equipe apresentam taxas 30% menores de ITU-AC (MEDDINGS et al., 2013). Além disso, a educação continuada por meio de simulações realísticas tem se mostrado eficaz na sustentabilidade das melhorias.
A escolha do tipo de cateter também influencia nos resultados. Cateteres impregnados com prata ou antibióticos reduzem em 20% a 30% o risco de infecção em pacientes de alto risco, porém seu custo elevado exige análise custo-benefício individualizada (SCHMIER et al., 2016). Ressalta-se que a estratégia mais eficaz permanece sendo a limitação do tempo de cateterismo.
A vigilância epidemiológica por meio de sistemas informatizados tem revolucionado o controle de ITU-AC. Plataformas integradas aos prontuários eletrônicos permitem alertas em tempo real para cateterismos prolongados e identificação precoce de surtos (HARIDY et al., 2021). Em UTIs brasileiras, a adoção dessas tecnologias já resultou em redução de 25% nas taxas de ITU-AC (ANVISA, 2022).
Por fim, a governança clínica multidisciplinar é indispensável. A atuação conjunta entre CCIH, enfermagem e gestores, aliada a ferramentas de análise preditiva (como dashboards e IA), tem potencial para transformar dados em ações preventivas (KALLEN et al., 2020). A experiência internacional mostra que hospitais com planos estruturados de combate a IRAS conseguem reduções sustentáveis nas taxas de ITU-AC (WHO, 2018).
Referências Validadas (ABNT)
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Prevenção de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde. Brasília: ANVISA, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa.
CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Guidelines for the Prevention of Catheter-Associated Urinary Tract Infections. Atlanta: CDC, 2022. Disponível em: https://www.cdc.gov/infectioncontrol/guidelines/cauti/.
HARIDY, S. et al. Electronic alerts for catheter removal significantly reduce urinary tract infections. American Journal of Infection Control, v. 49, n. 1, p. 64-68, 2021.
KALLEN, A. J. et al. Health Care–Associated Infection Outbreak Investigations by the Centers for Disease Control and Prevention, 1946–2005. American Journal of Epidemiology, v. 189, n. 11, p. 1307-1317, 2020.
LO, E. et al. Strategies to prevent catheter-associated urinary tract infections in acute care hospitals. JAMA Internal Medicine, v. 174, n. 6, p. 908-913, 2014.
MAGILL, S. S. et al. Multistate Point-Prevalence Survey of Health Care–Associated Infections. New England Journal of Medicine, v. 370, p. 1198-1208, 2014.
MEDDINGS, J. et al. Systematic Review and Meta-Analysis: Reminder Systems to Reduce Catheter-Associated Urinary Tract Infections and Urinary Catheter Use. American Journal of Infection Control, v. 41, n. 6, p. 565-570, 2013.
SAINT, S. et al. A Program to Prevent Catheter-Associated Urinary Tract Infection in Acute Care. New England Journal of Medicine, v. 374, p. 2111-2119, 2016.
SCHMIER, J. K. et al. Costs and benefits of antimicrobial catheters for prevention of urinary tract infection in the intensive care unit. Journal of Hospital Infection, v. 93, n. 2, p. 156-160, 2016.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Global report on infection prevention and control. Genebra: WHO, 2018. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240051164.