IPCS

Infecção Primária da Corrente Sanguínea: Desafios e Estratégias de Prevenção nas Unidades de Terapia Intensiva

Por Enf.° Me. Eliézer Farias de Mello

A infecção primária da corrente sanguínea (IPCS) é definida como a presença de microrganismos patogênicos na corrente sanguínea sem outro foco aparente de infecção, frequentemente associada ao uso de dispositivos invasivos, especialmente o cateter venoso central (CVC) (CDC, 2023). Trata-se de uma condição crítica em ambientes de terapia intensiva, com elevado impacto clínico, prolongamento da hospitalização e aumento da mortalidade, configurando-se como uma das principais ameaças à segurança do paciente (WHO, 2022).

Dados nacionais apontam a IPCS como uma das infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) mais prevalentes em unidades de terapia intensiva (UTIs). Em 2020, a taxa de IPCS em UTIs adultas no Brasil foi de 4,68 infecções por 1.000 cateteres-dia, com aumento observado durante a pandemia de COVID-19 (ANVISA, 2023a). A sobrecarga assistencial, o aumento do uso de dispositivos invasivos e a escassez de recursos contribuíram para a elevação dos índices de infecção durante esse período (Weiner-Lastinger et al., 2022).

A utilização de CVCs, embora fundamental em pacientes críticos, representa um risco substancial para o desenvolvimento de IPCS. Estudos apontam que a falha na adoção de técnicas assépticas durante a inserção e manutenção do CVC, bem como o tempo prolongado de permanência do dispositivo, são fatores que elevam consideravelmente o risco de infecção (Souza et al., 2024). A adesão a bundles de inserção e manutenção, com base em recomendações internacionais, tem se mostrado eficaz na redução da IPCS (Blot et al., 2022).

Outro aspecto de crescente preocupação é a associação da IPCS com microrganismos multirresistentes (MMRs), que têm se tornado cada vez mais frequentes nas unidades críticas. Infecções da corrente sanguínea por MMRs estão relacionadas a piores desfechos clínicos, maior tempo de internação e custos hospitalares elevados (WHO, 2023). A implementação de programas de gestão racional de antimicrobianos (antimicrobial stewardship) é uma das principais estratégias para combater esse problema (ANVISA, 2023b).

A prevenção da IPCS requer uma abordagem sistemática e multifatorial, que inclua medidas como a higienização adequada das mãos, o uso de barreiras máximas de proteção na inserção do CVC, a antissepsia com clorexidina e a reavaliação diária da necessidade de manutenção do dispositivo (IHI, 2022). Evidências demonstram que a aplicação rigorosa de bundles de prevenção pode reduzir a incidência de IPCS em até 70% (Blot et al., 2022).

A equipe de enfermagem desempenha papel central na implementação e monitoramento dessas medidas. A educação permanente, auditorias periódicas e o feedback às equipes são ferramentas eficazes para garantir a adesão às práticas baseadas em evidências (Souza & Figueiredo, 2023). A valorização da cultura de segurança e o empoderamento dos profissionais são componentes estratégicos na construção de ambientes assistenciais mais seguros.

A vigilância epidemiológica hospitalar é essencial para o controle da IPCS, permitindo identificar padrões, avaliar a efetividade das intervenções e planejar melhorias contínuas (CDC, 2024). A notificação padronizada e a análise de indicadores de processo e resultado são ferramentas indispensáveis para apoiar a tomada de decisão gerencial e assistencial em tempo oportuno.

Diante da complexidade da IPCS nas UTIs, é indispensável o fortalecimento de políticas institucionais de prevenção e controle de IRAS, o compromisso com a qualidade do cuidado e a atuação integrada de equipes multiprofissionais. O enfrentamento desse desafio demanda investimento contínuo em educação, infraestrutura, vigilância e na implementação rigorosa de práticas assistenciais baseadas em evidências científicas atualizadas.


Referências

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Relatório de Avaliação das Práticas de Segurança do Paciente em Hospitais com UTI – 2023. Brasília: Anvisa, 2023a.

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Plano de Ação Nacional para Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos na Saúde Única – PAN-BR 2023-2027. Brasília: Anvisa, 2023b.

BLOT, S. I. et al. Evidence-based Guidelines for the Prevention of Central Line-associated Bloodstream Infections in Critically Ill Adults. Intensive Care Medicine, v. 48, n. 3, p. 267–284, 2022. DOI: 10.1007/s00134-022-06680-3.

CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Bloodstream Infection Event (Central Line-Associated Bloodstream Infection and Non-central line-associated Bloodstream Infection). Atlanta: CDC, 2023.

WEINER-LASTINGER, L. M. et al. The Impact of the COVID-19 Pandemic on Healthcare-Associated Infections in 2020: A Summary of Data Reported to the National Healthcare Safety Network. Infection Control & Hospital Epidemiology, v. 43, n. 1, p. 12–25, 2022. DOI: 10.1017/ice.2021.362.