Inteligência Artificial e a Prevenção de IRAS na UTI: Inovação a Serviço da Segurança do Paciente

Por Enf.º Me. Eliézer Farias de Mello


A ocorrência de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) representa um desafio persistente para os profissionais de saúde e gestores hospitalares. Essas infecções, frequentemente associadas a dispositivos invasivos como ventiladores mecânicos, cateteres venosos centrais e sondas urinárias, contribuem significativamente para o aumento da morbimortalidade e dos custos hospitalares (ANVISA, 2023). Nesse cenário, a Inteligência Artificial (IA) surge como uma aliada promissora na vigilância, predição e prevenção dessas complicações, potencializando a atuação multiprofissional na UTI.

A IA pode atuar de forma preditiva na identificação de pacientes com maior risco de desenvolver IRAS por meio da análise em tempo real de grandes volumes de dados clínicos, laboratoriais e demográficos, viabilizando intervenções precoces e personalizadas. Sistemas baseados em aprendizado de máquina, por exemplo, têm sido utilizados para prever sepse com até 6 horas de antecedência, utilizando dados contínuos do prontuário eletrônico e sinais vitais (Henry et al., 2022). Essa capacidade pode ser adaptada para a detecção de padrões que precedem infecções como PAV, ITU e IPCS.

Além da previsão de risco, a IA tem demonstrado potencial na automação da vigilância epidemiológica das IRAS, otimizando a coleta e análise de dados, o que historicamente demanda alto esforço humano. Algoritmos inteligentes podem identificar automaticamente casos suspeitos com base em critérios clínicos e laboratoriais padronizados, como os definidos pela CDC/NHSN (CDC, 2022), contribuindo para uma vigilância ativa mais eficiente e menos sujeita a erros humanos.

A integração da IA com os sistemas de prontuário eletrônico viabiliza alertas clínicos automatizados, orientando as equipes quanto à necessidade de intervenções preventivas, como a troca de circuitos de ventilação mecânica ou a avaliação de necessidade de manutenção de dispositivos invasivos. Essa abordagem foi validada por estudos que demonstraram redução significativa de IRAS em hospitais que adotaram sistemas inteligentes de suporte à decisão (Lee et al., 2023).

Outra frente de atuação envolve o processamento de linguagem natural (PLN), tecnologia que permite à IA analisar registros clínicos não estruturados, como evoluções de enfermagem e anotações médicas, para extrair informações relevantes sobre sinais precoces de infecção ou práticas assistenciais de risco. Um estudo recente demonstrou que o uso de PLN permitiu identificar falhas no bundle de prevenção de pneumonia associada à ventilação mecânica, antes que elas se refletissem em eventos clínicos (Sun et al., 2023).

A IA também pode contribuir com a auditoria automatizada das práticas de higiene das mãos e de manipulação de dispositivos, por meio de sistemas de visão computacional ou sensores inteligentes instalados nos leitos. Essas tecnologias, além de capturar dados objetivos sobre adesão às práticas seguras, fornecem feedback imediato aos profissionais e possibilitam ações educativas direcionadas (Haider et al., 2022).

No campo da gestão hospitalar, algoritmos preditivos podem ser utilizados para a alocação estratégica de recursos humanos e materiais, priorizando setores e turnos com maior risco de ocorrência de IRAS. Modelos de machine learning treinados com históricos de surtos e fatores contextuais têm sido aplicados com sucesso para antecipar a necessidade de intervenções estruturais, como a intensificação da limpeza terminal ou reforço de capacitações (Delgado-Rodríguez et al., 2022).

É fundamental ressaltar que a eficácia da IA na prevenção de IRAS depende da qualidade dos dados utilizados, da interoperabilidade entre sistemas e da capacitação das equipes assistenciais para interpretar e utilizar as informações geradas. Nesse sentido, a adesão às diretrizes de segurança da informação e à governança ética do uso de dados em saúde torna-se indispensável (WHO, 2021).

A incorporação da inteligência artificial ao cotidiano das UTIs não substitui a atuação humana, mas potencializa a capacidade de resposta frente aos riscos, amplia a vigilância ativa e apoia a tomada de decisões clínicas baseadas em evidências. Para isso, é essencial que os profissionais da UTI sejam capacitados e engajados no uso crítico dessas tecnologias, reconhecendo seu potencial e também suas limitações (Topol, 2022).

Portanto, a adoção responsável da IA na prevenção de IRAS representa um avanço significativo rumo à segurança do paciente em ambientes críticos. A união entre ciência de dados, prática baseada em evidências e protagonismo da equipe multiprofissional pode redefinir os rumos do controle de infecções hospitalares, inaugurando uma nova era de cuidado intensivo mais seguro, inteligente e proativo.

Referências
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Relatório Nacional de Indicadores de IRAS em UTI Adulto – 2022. Brasília: ANVISA, 2023.

CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). National Healthcare Safety Network (NHSN) Patient Safety Component Manual. Atlanta: CDC, 2022.

DELGADO-RODRÍGUEZ, M. et al. Artificial Intelligence in Healthcare: Predictive Modeling for Infection Surveillance. Journal of Hospital Infection, v. 132, p. 45-52, 2022.

HAIDER, Z. et al. Computer Vision for Hand Hygiene Monitoring in ICUs: A Pilot Study. Infection Control & Hospital Epidemiology, v. 44, n. 2, p. 234-241, 2022.

HENRY, K. E. et al. Targeted Real-Time Early Warning Score (TREWScore) for Septic Shock Prediction in the ICU. Critical Care Medicine, v. 50, n. 1, p. 49-59, 2022.

LEE, J. H. et al. Clinical Decision Support Systems and Infection Control: A Meta-analysis of ICU Interventions. BMJ Health & Care Informatics, v. 30, n. 1, p. e100576, 2023.

SUN, Y. et al. Using Natural Language Processing to Identify Gaps in ICU Care Bundles. Journal of Biomedical Informatics, v. 141, p. 104321, 2023.

TOPOL, E. Deep Medicine: How Artificial Intelligence Can Make Healthcare Human Again. Nova York: Basic Books, 2022.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Ethics and Governance of Artificial Intelligence for Health: WHO Guidance. Genebra: OMS, 2021.